Cientistas cariocas produziram pela primeira vez no Brasil uma linhagem de células-tronco de pluripotência induzida.
   Conhecidas pela sigla iPS – induced pluripotent stem cells, em inglês -, elas são idênticas às cobiçadas células-tronco embrionárias, com a vantagem de que não necessitam de embriões para sua obtenção. Em vez disso, a pluripotência (capacidade para se transformar em qualquer tecido do organismo) é induzida "artificialmente" em uma célula adulta, por meio da reprogramação de seu DNA.
    A técnica, segundo o que os pesquisadores revelaram com exclusividade ao Estado, não reduz a importância do estudo das células embrionárias "autênticas", mas diminui a necessidade de destruir embriões para a produção de novas linhagens pluripotentes. Além de facilitar imensamente a produção de células-tronco oriundas dos próprios pacientes, já que não há limite no número de células adultas que podem ser reprogramadas nem é preciso passar pelas complicações técnicas (e éticas) de fabricar ou clonar um embrião para pesquisa.
    Apenas quatro outros países já possuem linhagens de células iPS registradas na literatura científica: Japão, Estados Unidos, China e Alemanha. Os pioneiros são os japoneses, da Universidade de Kyoto, que desenvolveram a técnica em células de camundongo, em agosto de 2006, e depois reproduziram o feito em células humanas, em novembro de 2007. Os resultados mudaram completamente o cenário mundial das pesquisas com células-tronco embrionárias, engessadas pelo debate ético em torno da destruição de embriões humanos.
    A pesquisa brasileira produziu, simultaneamente, em menos de um ano, uma linhagem iPS de células humanas e outra de camundongo. Ambas serão disponibilizadas gratuitamente para a comunidade científica. O projeto foi realizado nos laboratórios do neurocientista Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do biomédico Martin Bonamino, da Divisão de Medicina Experimental do Instituto Nacional de Câncer (Inca), com apoio dos alunos de pós-graduação Bruna Paulsen e Leonardo Chicaybam.
    A parceria começou em 2008, depois que Rehen deu uma palestra no Inca. Foi o casamento perfeito: "O Stevens sabia cultivar as células-tronco e a gente sabia produzir os vetores virais para infectar as células", conta Bonamino.
    Esse é o elemento fundamental – e também o calcanhar de Aquiles – da técnica inventada pelos japoneses: para transformar as células adultas em células pluripotentes (iguais às embrionárias), é preciso introduzir quatro genes em seu DNA, chamados Oct-4, Sox-2, Klf-4 e c-Myc. A única maneira de fazer isso, por enquanto, é infectar as células com vírus atenuados, construídos em laboratório, que carregam os genes para dentro da células e os inserem no seu genoma nuclear. Esses genes funcionam como um software genético, que reformata a célula de volta ao seu estado "original de fábrica" (indiferenciado e pluripotente).
    Os vírus usados como vetores para transformar as células morrem logo depois de *****prir sua missão, sem se reproduzir. Mas o problema é que o local de inserção dos genes no genoma é puramente aleatório, o que pode interferir em funções vitais da célula. Se um dos genes entrar em um ponto que interfira com o sistema de controle da divisão celular, por exemplo, há o risco de a célula se tornar cancerígena. "O ideal, para o futuro, é encontrar uma maneira de fazer a reprogramação sem vírus", explica Bonamino.
    No fim das contas, segundo Rehen, as células iPS são idênticas às células embrionárias, capazes de se transformar em qualquer tecido do organismo. Os cientistas esperam, no futuro, aproveitar essa versatilidade para produzir tecidos de reposição geneticamente customizados, que possam ser usados no tratamento de doenças, na recuperação de lesões ou como base para o teste de novos medicamentos in vitro. Como as células seriam provenientes do próprio paciente, não haveria risco de rejeição.
    Trabalhos internacionais já mostraram que é possível transformar células de pacientes em células iPS e, posteriormente, transformar essas iPS em neurônios e outras células especializadas de interesse terapêutico.
    No caso da pesquisa brasileira, as células humanas usadas na reprogramação eram células renais de uma linhagem tradicional de pesquisa – e não células de doadores vivos. "O primeiro passo era dominar a técnica e aprender a produzir as células", afirma Rehen. O próximo passo – que ele espera dar em breve – é repetir a dose com células de pacientes com doenças específicas. "Estamos, finalmente, reduzindo o atraso (em relação ao resto do mundo)", desabafa Rehen. A novidade carioca chega três meses depois de uma equipe da Universidade de São Paulo ter obtido a primeira linhagem brasileira de células-tronco de embriões humanos.

Fonte: Estadão
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Em 03/02/2009