A avaliação da prosperidade nacional via PFB – produto da felicidade bruta – implementada pelo reino do Butão, em 1975, pode ser o novo modelo para o mundo sair da crise econômica e ambiental atual. Confira como essa “utopia” pode dar certo.
O que é felicidade?
     Nos Estados Unidos e em muitos outros países industrializados, ela é, via de regra, equiparada ao dinheiro. Os economistas medem a confiança do consumidor na suposição de que os dados resultantes revelem algo sobre o progresso e o bem-estar público. Por isso, o produto interno bruto (PIB) é habitualmente usado como expressão do bem-estar de uma nação. Mas o pequeno reino do Butão, no Himalaia, tem aplicado uma concepção diferente para medir a felicidade de seus cidadãos.
   Em 1972, preocupado com os problemas que afligiam outros países em desenvolvimento focados exclusivamente no crescimento econômico, o líder do Butão, rei Jigme Singye Wangchuck, decidiu tornar prioridade de sua nação não o PIB (produto interno bruto), mas o novo índice PFB (produto da felicidade bruta).
     O Butão, afirmou o rei, precisava garantir a prosperidade compartilhada por toda a sociedade, meta lastreada na preservação das tradições culturais, na proteção do meio ambiente e numa gestão governamental responsável. A partir de então, o rei passou a instituir políticas voltadas à realização da meta do PFB.
       E o exemplo de Butão, sempre em curso, serve como catalisador para discussões mais aprofundadas sobre o que é bemestar nacional. Em todo o mundo, um número crescente de economistas, cientistas sociais, líderes de corporações e burocratas procuram desenvolver medidas que não levem em conta apenas o fluxo de caixa, mas, também, o acesso aos cuidados médicos, ao tempo livre em família, à conservação dos recursos naturais e outros fatores não econômicos. A meta vem a ser, segundo muitos protagonistas envolvidos neste esforço, redefinir uma acepção mais rica da palavra felicidade, à semelhança da concepção intuída pelos signatários da Declaração de Independência dos EUA quando nela incluíram “a busca de felicidade” como um direito inalienável igual à liberdade e à própria vida.
      Os fundadores da pátria, sentencia o canadense John Ralston Saul, estudioso de filosofia política, definiram felicidade como o equilíbrio entre os interesses do indivíduo e da comunidade:“A teoria da felicidade é expressão do bem estar público, da satisfação dos indivíduos. E isso não se reflete na concepção atual: deve-se sorrir apenas quando se está, por exemplo, numa Disneylândia.”
      O filósofo é uma entre as 400 pessoas de mais de uma dúzia de países que se reuniram na St. Francis Xavier University, na Nova Escócia, para considerar novos modos de definir e avaliar a prosperidade. Naquela reunião, a maioria dos participantes insistiram que o foco no comércio e no consumo que dominou o século 20 não deveria mais ser a norma no 21. Entre os participantes, três dúzias eram de representantes do Butão – professores, monges, funcionários do governo e outros –, que vieram promover o que o país com as dimensões da Suíça aprendera sobre a construção de uma sociedade contente e feliz. Não obstante a renda doméstica no Butão estar entre as mais baixas do mundo, a expectativa de vida aumentou em 19 anos – de 1984 a 1998 –, saltando para os 66 anos.
       O país, que emendou sua constituição e aderiu ao regime de governo democrático, por iniciativa do próprio rei, estabeleceu que pelo menos 60% de suas terras preservem a cobertura florestal original, limitou o fluxo de turistas e exporta energia hidroelétrica para a Índia. Diz Lyonpo Jigmi Thinley, ministro do Interior e ex-primeiro-ministro:“Devemos pensar no bemestar humano em termos mais abrangentes. O bemestar material é apenas um componente, e ele não assegura estar-se em paz com seu ambiente e em harmonia com o semelhante.”
      Trata-se de um conceito fundamentado na doutrina budista, e até uma década atrás a maioria dos economistas e estudiosos de política internacional teria taxado esse ideário de idealismo ingênuo.
     Na verdade, o flerte passageiro dos EUA com um conceito semelhante, consubstanciado no best-seller “Small Is Beautiful: Economics as if People Mattered”, de 1973, terminou abruptamente com a enorme e contínua bolha de crescimento econômico focada no estímulo ao consumo, que explodiu em primeiro lugar nos países industrializados e, depois, espraiou-se para os países em desenvolvimento, como a China. E que hoje deu no que deu! Muitos estudiosos da questão afirmam, no entanto, que foi a explosão de consumo o que pode ter levado os cientistas sociais a perceber que o crescimento econômico não é sempre sinônimo de progresso. De qualquer forma, o Butão antecipou-se, e sua experiência não pode ser mais ignorada.
 
ECONOMIA SÓ É VÁLIDA QUANDO PRODUZ FELICIDADE
 
     Não mais do que 700 mil pessoas habitam o Butão, reino espremido entre as duas mais populosas nações da Terra – Índia e China. A tarefa atual do país é controlar e administrar as transformações inevitáveis em seu modo de vida. No Butão, o cigarro é proibido, a TV foi introduzida somente há 10 anos, as vestes e a arquitetura tradicionais são regidas por legislação. Quando o Butão informou que tinha adotado o padrão PFB, o mundo desenvolvido, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional lançaram a pergunta: “E como vocês medem o PFB?”
     Para responder a questão, os butaneses produziram um intrincado modelo matemático do bem-estar com os já citados quatro pilares, nove campos e 72 indicadores de felicidade. No campo do bem-estar psicológico, por exemplo, os indicadores incluem as frequências de oração e meditação, e os sentimentos de egoísmo, ciúme, calma, compaixão, generosidade e frustração, além de pensamentos suicidas.
     Na busca pela felicidade, os butaneses estão até partilhando o dia para saber quanto tempo uma pessoa passa junto à família, no ambiente de trabalho e assim por diante. Foram criadas inclusive fórmulas matemáticas para reduzir a felicidade aos seus menores componentes. A cada dois anos, esses indicadores devem ser reavaliados em um questionário nacional.
     Pela nova Constituição, adotada em 2008, as políticas governamentais – da agricultura ao transporte e ao comércio exterior – devem ser avaliadas não pelos benefícios econômicos que podem oferecer, mas pela felicidade que produzem. Embora à primeira vista o conceito de PFB possa parecer pura bizarrice, ele está seduzindo o mundo ocidental.
     Afinal, sua essência prega a reconciliação do ser humano consigo mesmo e com o meio ambiente – fato impossível no atual modelo econômico, que divorcia todos de tudo que não seja consumismo e aniquilação ambiental. Por isso, a nova “utopia” tem ecoado positivamente. Por que não pensar de forma diferente? Afinal, o modelo de desenvolvimento predatório e insustentável atual está fadado a conduzir-nos a um fatal labirinto sem saída. Já o utópico Butão pode ensinar o caminho para uma Shangri La !

Fonte: Revista Cidadania & Meio Ambiente
Escrito por:
Andrew C. Revkin
O artigo A New Measure of Well-Being From a Happy Little Kingdom foi publicado em 4/10/2005 no periódico The Washington Post.
Tradução livre: Cidadania & Meio Ambiente.
     
Revista Cidadania & Meio Ambiente
Publicação CAMARA CULTURAL
Edição nº 20 – 2009
ADEUS… PIB ! É HORA DO PFB

Enviado por
Josias Dias